Em 1980, eu ainda não tinha conhecimento do poder de um sorriso. Não sonhava nem mesmo com a faculdade que cursaria, mas o destino quis que eu me formasse em medicina e especializasse em psiquiatria, a ponto de estudar a fundo tanto a tristeza em excesso provocando mortes quanto a força da alegria salvando vidas. Através da minha formação profissional, conclui que o bom humor deveria fazer parte do dia-a-dia de todos, afinal, quanto mais endorfina liberada, mais pessoas relaxadas e saudáveis em meio à sociedade, inclusive auxiliando no tratamento de doenças. Entretanto, não estou aqui para falar de experiências médicas, e sim de que o maior conhecimento que adquiri no que diz respeito aos benefícios do bom humor foi com meu avô.
Lembro-me como se fosse hoje o tamanho imensurável da minha felicidade naquele dia, porque, além do sol brilhante, iria visitar meus avós no interior do estado, arriscar-me pelos buracos da estrada de chão, aproximar-me dos bichos, brincar com os filhos do caseiro e, ainda, conversar, abraçar e comer todas as quitandas que minha avó fazia. Também não posso me esquecer de que era uma alegria tremenda saber que, enquanto estivesse ao lado dos meus avós, meus pais não se importariam que eu me sujasse e fizesse todas as estripulias possíveis. Eram nessas viagens de feriados e finais de semana que eu me sentia a criança mais feliz do mundo; talvez fosse uma amostra da tão sonhada liberdade, que trazia consigo uma leveza profunda do ser capaz de me deixar com um sorriso enorme estampado no rosto por vários dias.
Meu avô era reconhecido nas redondezas por suas histórias fantásticas, pelo abraço acolhedor e pela alegria contagiante. Portanto, desde criança, já o admirava profundamente. Às vezes, acontecia de eu ficar cabisbaixo, e ele sempre aparecia com palavras otimistas, um sorriso enorme e, invariavelmente, com alguma bala escondida no bolso. Nunca me esqueci das inúmeras tardes de histórias e seus finais felizes, até mesmo porque qual história que começa com “era uma vez” não tem um final feliz? Contudo, precisamos enfrentar a realidade, que mais se assemelha ao meio das histórias, sempre marcado por conflitos. O fato é que aquele dia de sol brilhante diluiu-se numa noite de trevas, a qual revelou outro lado do meu avô, esquecido no fundo do baú: o sombrio.
A morte da minha avó tornou nossos dias mais obscuros, nos mostrou o quanto somos frágeis e estamos à mercê dos indecifráveis desígnios da vida. A partir desse dia, nem mesmo comemorações de aniversário meu avô autorizava, pois, segundo ele, a cada aniversário mais nos aproximamos da morte e mais distantes das lembranças ficamos. Foi desse modo que a tristeza, o mau humor e as poucas palavras pronunciadas tornaram-se recorrentes nas descrições do meu novo avô, o transformado e – por que não? – mascarado.
Apesar de todo o sofrimento em relação à dor da perda, nada foi pior do que procurar em vão aquele mesmo velhinho feliz de outros dias. E, como boa criança que era, não resistia ao fascinado mundo das perguntas, em especial àquelas desconsertantes, então, não hesitei em perguntar ao meu avô o porquê de tanta tristeza, se sabíamos que um dia iríamos todos morrer. E essa foi a primeira vez que vi meu avô virar as costas para mim, deixando-me perdido e desamparado. Depois desse episódio, nunca mais fui o mesmo. Comecei a pensar que não tinha motivos para ser feliz, visto que a morte se aproximava a cada segundo e seria inevitável, então, por que me aproximar das pessoas ou sorrir à toa? E dessa maneira fui crescendo, imaginando que no mundo, ou melhor, que no meu mundo, não tinha espaço para a alegria, já que mais cedo ou mais tarde ela se findaria, me frustraria, e o que eu haveria de fazer? Magoar ou decepcionar as pessoas tal como meu avô? Foi para evitar esse tipo de problema que resolvi construir minhas máscaras, pois elas disfarçam os sentimentos conflitantes do nosso interior, com elas estamos do jeito que queremos que os outros nos vejam, o que não exige explicações. Dessa forma, com as máscaras eu me sentia à vontade e agradecia ao fato de que, na realidade, poucas pessoas olham nos seus olhos e percebem seus verdadeiros sentimentos. Portanto, depois de todos os acontecimentos já relatados, aprendi que tanto faz passar um ano inteiro triste ou dar uma risada de desespero.
Diante de tais circunstâncias, imaginei meu avô, enquanto feliz, apenas usava máscaras, mas, com o sofrimento da perda de um grande amor, não conseguiu reconstruí-las e estava sendo apenas ele mesmo. Então, decidi que deveria visitá-lo e mostrar que o compreendia, o amava e o admirava mesmo assim. Disse tudo a ele, que estava de cama, e, no fim, fui recebido apenas com um sorriso enorme, que fez com que naquele instante nós dois compreendessemos que, acima de tudo, é preciso viver bem, com tristezas e alegrias, porque toda idade tem suas felicidades e sofrimentos. Na verdade, só precisamos estudar um pouco, sermos mais humanos e compreensivos, além de vigiar o tempo, capaz de passar mais rápido do que podemos imaginar.
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