segunda-feira, 16 de julho de 2012

Um presente!

Hoje, gostaria de compartilhar um texto imensamente lindo e verdadeiro, cujo autor foi meu professor no curso pré-vestibular (por pouco também não fui sua aluna no ensino médio, lamentavelmente). Vale ressaltar, que foi/é um dos melhores professores que já tive, tamanha sabedoria, simpatia, poder com as palavras e "valor humanitário" presente em seu ser. Posso dizer que ele conquista a atenção, o afeto e principalmente a admiração de todos que têm o prazer de tê-lo como mestre. O Gordinho, também conhecido como Adriano Alves, possui uma formação de dar inveja, até mesmo porque, garanto que são poucos os brasileiros - sem influências sanguíneas ou genéticas - que sabem hebraico...Arrisco-me a dizer também que não existem muitos professores, de qualquer que seja a matéria, com a multidisciplinaridade que ele tem. Durante uma aula de literatura ele consegue falar de biologia, física, química, teologia, sociologia, filosofia, história e companhia, nos faz aprender de tudo e mais um pouco, nos faz enxergar além e fixar todas as matérias.
Publico aqui um de seus últimos textos publicados no facebook. O texto é grande, mas, garanto-lhes, vale muito a pena a pausa para essa leitura!

"O texto abaixo, apesar de longo, talvez interesse a quem queira refletir um pouco sobre a necessidade de se viver o presente:

Tocando em Frente
Almir Sater

Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais

Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz, quem sabe
Só levo a certeza
De que muito pouco sei,
Ou nada sei

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha
E ir tocando em frente

Como um velho boiadeiro
Levando a boiada
Eu vou tocando os dias
Pela longa estrada, eu vou
Estrada eu sou

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia,
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora

Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais

Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Certa vez, alguém pediu-me que dissesse alguma coisa sobre a letra “Tocando em Frente”, de Almir Sater. Como não sou bom em música, o que me cabe mesmo é tentar analisar as palavras. É claro que, nem de longe, arrisco-me a afirmar o que o autor pretendia dizer ou coisas do gênero; apenas tentarei reinventar o texto, lendo-o dentro de meu universo imaginário.

No texto, a poesia (ou lirismo, se preferir) está na arte de aproximar o simples do profundo; é isso que dá a sensação de que se diz o óbvio de um jeito completamente novo. A voz que fala “Ando devagar” introduz versos que traduzem o sentimento de quem lê; é como se você já sentisse isso há muito tempo, mas alguém chegou e disse antes de você. Interessante isso, não é? Os mais belos poemas são esses: os que dizem de um jeito diferente o que o leitor já sabia.

O título “Tocando em frente” relaciona, de forma criativa, o contexto rural de “tocar o gado” ao aspecto filosófico que pretende achar a maneira adequada de se viver; é muito inventiva a capacidade de encontrar a reflexão no próprio cotidiano.

Interessante também é a abordagem do tempo presente, que já aparece nos dois primeiros versos: “Ando devagar/ Porque já tive pressa”. Aqui, afirma-se uma maturidade adquirida com o tempo.

Nós, normalmente, temos uma dificuldade enorme de viver o agora! Quando estamos bem, ficamos planejando o futuro, sonhando com o dia em que seremos realmente felizes. Quando estamos tristes, é comum que voltemos ao passado... e aí que choramingamos o famoso “eu era feliz e não sabia”.

O tempo... Que dificuldade temos em vivê-lo! O passado já foi; o futuro ainda não é; o presente passa o tempo todo. Isso! O tempo escorre-nos por entre os dedos; não há como retê-lo. Se você vai escrever a palavra “presente”, quando chegar à segunda sílaba, a primeira já será passado. O presente é um intervalo mínimo, que tende a nada; e, mesmo assim, é só o que temos. Por isso, a palavra é presente; é a dádiva que nos é oferecida; é o presente que recebemos.

E daí? E daí que, apesar de isso parecer óbvio, a maioria tem uma enorme dificuldade em viver um dia de cada vez, em receber o presente de cada respirar, de cada batida do coração.

Sofre-se desde a infância. Um pai, normalmente, não sabe o sofrimento que causa ao filho de cinco anos, quando, em novembro, promete um presente de natal; o menino passará os dias seguintes em agonia, adiando o dia da felicidade. Mais tarde, vem o vestibular e a felicidade é adiada mais uma vez. Muitos passam a vida assim, pensando que serão felizes quando tiverem aquele emprego, aquele carro, aquela casa, aquela namorada. Assim, o indivíduo morre sem se realizar.

Tudo bem! Eu sei! A insatisfação é importante para fazer o homem progredir; é a insatisfação que nos faz melhorar. Mas, se você correr demais, talvez chegue mais depressa ao único futuro certo: a morte. A vida é, apenas, o intervalo entre o início e o fim; é esse intervalo, cheio de presentes, que você precisa perceber.

Cuidado! Andar devagar não significa, necessariamente, trabalhar menos; não significa diminuir suas atividades. Andar devagar significa ter prazer em tudo que se faz.

Na escola, geralmente, o aluno sofre na segunda-feira; sofre quando chega, às sete da manhã, torcendo para chegar logo o intervalo; vem o intervalo e, assim, aguarda-se o almoço. Lá se vai, dia após dia, esperando a felicidade que virá no sábado. Que vida miserável! Por que não tentar ter prazer agora? Você já tentou? Talvez não seja tão difícil assim!

Parte da receita de ser feliz está aí! Planeje o futuro, receba as lições do passado, mas não deixe de viver o agora!

Tudo isso me faz lembrar aquele filme “Click”, com Adam Sandler. Não, não quero falar dele, mas quem assistiu a esse longa sabe do que estou falando.

Os versos “E levo esse sorriso/ Porque já chorei demais” confirmam o aprendizado diante dos acontecimentos da vida e acrescentam uma nova ideia: nesse caso, mostra-se a capacidade que o indivíduo tem de mudar a forma como ele encara a própria vida.

É incrível! Algumas pessoas são sempre tristes; outras são sempre felizes. E, não se engane, nem sempre isso se relaciona de forma direta ao que acontece no dia-a-dia; nem sempre isso é uma questão endócrina, fisiológica. Algumas pessoas, mesmo que não saibam, optam por serem felizes; outras preferem a tristeza.

Escute, na vida, nada faz sentido em si mesmo, nada é bonito ou feio; uma praia linda que nunca ninguém viu não poderá ser linda. Como já disse, nada é bonito, nada é feio; nada é importante, nada é desimportante. Você, inclusive, só poderá ser importante na opinião das pessoas que gostam de você. É isso mesmo! Você não é importante em si mesmo. Não importa o quão inteligente você seja! Não importa o dinheiro que você tenha! Não importa o que você faça! Em si, você é mortal, falível e, às vezes, tolo o suficiente para não perceber que a vida não tem sentido; ela tem sentimento. Claro! Você tem que ser feliz não porque dois e dois são quatro; você tem que ser feliz por causa das pessoas que amam você, por causa das pessoas que você ama.

“Mas a vida humana em si não oferece motivos para a felicidade.”, dirá o eterno pessimista. Que tolice! Ele não percebe que o que ele diz nem sentido tem? Não há razão humana que explique um estado de espírito duradouro. Tudo bem que uma coisa ou outra pode trazer alguma alteração de humor, mas, nesse caso, a mudança é passageira. Quem é triste também não possui motivo lógico para isso!

Por isso, é muito comum ouvir a história de um rapaz que tem tudo e, mesmo assim, é revoltado; da mesma forma, sempre ouvimos falar daquele que nada tem e, ainda assim, é sorridente.

Viu? Você não tem motivo para ser feliz, mas também não tem motivo para ser triste!

A escolha é sua! Espero que aquele que já chorou muito dê um tempo agora! Chega! É hora de sorrir...

Aí vem a segunda estrofe: “Hoje me sinto mais forte,/ Mais feliz, quem sabe/ Só levo a certeza/ De que muito pouco sei,/ Ou nada sei”. Aqui, mais uma vez, revela-se o aprendizado que a vida oferece; esse aprendizado leva-nos a repetir a conclusão a que Sócrates chegou lá na Grécia Antiga, há quase 2500 anos: “Só sei que nada sei”. É claro que essa fala não possui uma dimensão apenas objetiva; é lógico que nenhuma pessoa, por mais inteligente que seja, é capaz de apeender o universo em sua totalidade, mas não é somente isso que se quer dizer. Parece paradoxal, mas não é! A sede de saber é o resultado de se sentir analfabeto diante do mundo.

Você já ficou boquiaberto diante de um belo pôr-do-sol? E o prazer que isso dá? Por mais que eu queira explicar, geometrizar, falar das cores, da simetria, o belo possui mais sentimento do que sentido.

Por mais que eu estude física, o pôr-do-sol será sempre um prazeroso espetáculo, será uma explosão de cores, de lembranças, de sonhos; será a deliciosa impressão de que nada sei.

Você já experimentou isso, essa inacreditável sensação de nada saber? A sensação de gostar de um cheiro só porque ele é bom...

Como cristão, acredito que essa experiência nos aproxima de Deus; torna-nos humildes, cala-nos a voz arrogante e abre-nos os ouvidos, para que possamos ouvi-Lo, falando em nós.

Só assim estarei mais próximo da verdadeira sabedoria e da verdadeira felicidade: tenho que querer saber tudo, mesmo sabendo que nada sei.

Essa disposição para respirar a vida leva-nos a “Conhecer as manhas/ E as manhãs/ O sabor das massas/ E das maçãs”. Só quem está acostumado a sentir as sutilezas do cotidiano é capaz de perceber as mínimas coisas.

Meu irmão Rodrigo é músico; ele, quando toca seu trompete, sabe se uma nota está adequada ou não; quando ouve uma música, ele sabe o que deu errado, que instrumento falhou, que voz não se encaixou... Eu? Não entendo nada disso; meu ouvido não é treinado para essas coisas. Em música, não percebo a diferença entre “manhas” e “manhãs”. Meu ouvido é surdo para isso.

A língua portuguesa é muito rica; sua variedade sonora, inclusive, confunde quem não está habituado com ela. Para um inglês, que vem ao Brasil, talvez seja muito difícil, sonoramente, diferendiar “massas” de “maçãs”. Mas, para mim, que sou daqui, isso é muito fácil e até óbvio.

As diferenças entre o oral e o nasal, o átono e o tônico, o som aberto e o som fechado, tudo isso é muito sutil e difícil de ser percebido por quem não está familiarizado com a língua portuguesa.

O que quero dizer? Simples, pretendo mostrar que, assim como você treina o ouvido para a música ou para uma língua, é necessário treinar o ouvido para a vida.

Às vezes, é preciso parar, frear o tempo para ouvir o pôr-do-sol!

Certa vez, “Oscar Wilde disse que a vida é o que acontece enquanto pensamos em outra coisa”. Então, perceba a vida, sinta-lhe o sabor, o cheiro, misture-lhe as sensações; arrume um tempo para sentar-se à mesa de si mesmo e farte-se, encha-se da própria existência.

Imagine você tentando explicar o gosto do açúcar para alguém que nunca o experimentou; a vida é assim... você tem que vivê-la para experimentar-lhe o sabor.

E o que significa viver a vida? Pensar sobre isso já é um bom começo...

Só assim é que se nota que “É preciso amor/ Pra poder pulsar/ É preciso paz pra poder sorrir/ É preciso a chuva para florir”

Na estrofe acima, inclusive, o último verso faz uma associação interessante; ele relaciona nossa vida à natureza; sentir a vida é algo natural, qualquer um consegue... é natural como a relação entre chover e florir.

Aí, retoma-se a ideia já dita. Parte da lição de ser feliz está em se viver o presente, em se compreender a marcha: “Penso que cumprir a vida/ Seja simplesmente/ Compreender a marcha/ E ir tocando em frente”.

Agora, a discussão volta ao cotidiano da voz-poética: “Como um velho boiadeiro/ Levando a boiada/ Eu vou tocando os dias/ Pela longa estrada, eu vou/ Estrada eu sou”.

E apesar de a problemática ser cotidiana, os sentimentos universalizam-se: “Todo mundo ama um dia,/ Todo mundo chora/ Um dia a gente chega/ E no outro vai embora// Cada um de nós compõe a sua história/ Cada ser em si/ Carrega o dom de ser capaz/ E ser feliz”

Por fim, anote a lição: sinta o agora!"

(Professor Adriano Alves - 15/07/2012)

Um comentário:

  1. Meu Deus! Esse foi grande, mas cheguei ao fim. O problema é fui relacionando tanta coisa pra comentar, que não lembro da metade... rsrs.

    Numa dada parte, mais ou menos ao meio do texto, o Gordinho (também conhecido como Adriano Alves), me deu um nó nos neurônios. Eu já estava questionando a minha própria existência. Nada é belo e nada é feio; nada é importante e nada é desimportante. Mas, em suma, tudo é vida, não é? E como ele bem cita, perdemos tempo demais relacionando planos e lembranças, e esquecemos de viver o agora.

    Show de texto. E uma postagem extremamente pertinente, ainda mais para mim, que sou fascinado no tema.

    Letícia, minha querida amiga. Bjs, e linda semana pra ti.

    Marcio

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Então, o quê você me diz?