quarta-feira, 11 de julho de 2012

Aparências

Os Albuquerques formam uma família feliz.

A mãe acorda cedo diariamente para coordenar as funções das empregadas domésticas. Ela também acorda os filhos e o marido. O filho mais novo é o primeiro a se levantar e se preparar para ir à escola, ainda não entende muita coisa, mas o bastante. O filho do meio é menos ativo, porém, mais observador. O filho mais velho é calado e só pensa no mundo paralelo em que vive. O marido, a princípio, apenas trabalha, função de provedor da família.

O café-da-manhã transcorre em silêncio, até mesmo porque, cada um tem seu horário e suas atividades. Geralmente, o filho mais novo senta-se à mesa com o pai e a mãe. A única expressão dita é "dormiu bem?". Cerca de quarenta minutos depois aparecem os outros dois irmãos, ambos calados, cada um com seu fone de volume máximo no ouvido. Por fim, a mãe observa as empregadas retirarem a mesa enquanto os filhos se encaminham à escola, já que o marido há muito saiu para o trabalho.

Durante a manhã a mãe apenas observa os serviços das empregadas e vai para a academia, às vezes lê e, um dia na semana, vai ao salão. Os filhos estudam, ou, quase todos, já que o mais velho  vive em um mundo paralelo que não o permite concentrar-se nos estudos. O marido trabalha.

Na hora do almoço todos voltam, menos o marido. O filho mais novo não para de conversar, o do meio ouve e o mais velho almoça no quarto, enquanto isso, a mãe sorri. O marido almoça em restaurantes próximos ao trabalho, nunca lhe falta companhia.

A tarde todos têm atividades a serem realizadas. O filho mais novo vai para a natação. O filho do meio vai ao curso de línguas. O filho mais velho sai para andar de bicicleta pelas ruas. A mãe não fica em casa.

Chega a noite, e com ela os jantares beneficentes, visitas, festas de bodas e aniversários, que são compromissos que aparecem quase todos os dias, afinal, a família Albuquerque possui muitos contatos. Apresentam-se sorrindo, felizes, educados, comunicativos, sinônimo de família perfeita para a maioria.

Só faltam algumas observações sobre a família Albuquerque. O marido trai. A mãe usa as tardes para ir ao psiquiatra, renovar a receita dos remédios controlados. O filho mais velho é viciado. O filho do meio tem depressão. O filho mais novo é o único que sabe de tudo isso.

Os Albuquerques formam uma família feliz, mas vivem de aparências.

"Porque não nos recomendamos outra vez a vós; mas damo-vos ocasião de vos gloriardes de nós, para que tenhais que responder aos que se gloriam na aparência e não no coração".(2 Coríntios 5:12)
"Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te". (2 Timóteo 3:5)
"E, olhando o filisteu, e vendo a Davi, o desprezou, porquanto era moço, ruivo, e de gentil aspecto". (1 Samuel 17:42)

Um comentário:

  1. Tantas são as aparências, tantas são as máscaras. Talvez, o mais complicado nisso tudo seja o fato de que eles próprios se enganam, tentando acreditar que tudo está bem. Até mesmo o filho mais novo, que ainda se mantém isento das aparências pela pouca idade que tem, não demorará a sofrer as consequências do convívio.

    Muito a refletir no que li. E também muito a observar reparar se eu próprio não tento passar meras aparências.

    Perfeito, Letícia. Crônica extremamente pertinente.

    Abraços, mocinha.

    Marcio

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