sábado, 28 de julho de 2012

Agenda telefônica

Consequência de uma pausa...

Enquanto enrolava para fugir da obrigação de ter que dar uma geral no apartamento inteiro (quero virar socialite logo para ter empreguetes e poder viajar /com meus peguetes? talvez/ hahaha)  descobri que meu chip simplesmente apagou tudo e mais um pouco do que estava armazenado nele, ou seja, perdi todos os meus contatos da agenda telefônica. No primeiro momento fiquei super chateada, porque alguns contatos não utilizam redes sociais e morando longe fica complicado tê-los de volta à minha agenda. Após um tempo, comecei a filosofar embasada nesse acontecimento...

Ah, pequeno detalhe: meu chip já estava lotado!

(A ordem a seguir não tem relevância, foi apenas a ordem dos meus pensamentos, sem prioridades)

Primeiro: amigos também têm amigos, ou seja, a partir de outros amigos consigo todos os números de telefones de volta, ou 98% deles!

Segundo: sendo eles meus amigos, uma hora ou outra me ligarão ou mandarão uma mensagem e assim poderei armazenar de novo nos contatos.

Terceiro: os que se perderem, ficarem esquecidos por aí, é porque não faziam a diferença na minha agenda, muito menos na minha vida, só ocupavam espaço.

Quarto: já estava na hora de eu dedicar um tempo à minha agenda telefônica e impor prioridades, excluindo quem não faz mais parte da minha vida.

Quinto: há males que vem para o bem, ou melhor, há acontecimentos que nos fazem enxergar através de outros pontos de vistas.

Sexto: conforme o convívio social vou adicionando-os novamente.

Sétimo: observando minha vida do ponto de vista da agenda telefônica descobri que tenho muita dificuldade em me desapegar das pessoas ou das lembranças que eu tenho dessas pessoas. Alguns contatos só estavam lá ainda porque tinha receio de apagar, sempre pensando "ah, mas vai que um dia eu preciso..." ou "quem sabe a gente volta a amizade e etc" ou "vou combinar algo qualquer dia desses". Creio que preciso aprender a aceitar os fatos como eles são, se a amizade adormeceu, se o romance já teve fim, não existem possibilidades de algo voltar a acontecer, a não ser que por alguma reviravolta da vida nos encontremos mundo afora, porém, tornaremos a adicionar os novos contatos na agenda, visto que seremos outras pessoas aos olhos uns dos outros. O tempo nos transforma! Preciso praticar mais a lei do desapego - não só em relação aos contatos!

Oitavo: ainda analisando minha vida a partir desse ocorrido percebi que está muito confusa, sem regras, sem prioridades, basicamente a Deus dará. Com toda a certeza, preciso impor prioridades, escolher melhor quem eu quero que faça parte de mim, da minha história. E, a partir de agora, escolherei melhor quem irei adicionar o telefone novamente na minha agenda. Afinal, não preciso de números, preciso de amigos verdadeiros e companheiros, de amores fieis, de família, e ah, de comida e serviços básicos! (preciso conseguir aquele contato do sanduíche novamente! haha)

Nono: por que parei de passar meus contatos do celular para a agenda de papel? Era mais seguro e até facilitava a guardar os telefones na memória...hoje em dia ninguém sabe o telefone de ninguém de cor e salteado mais! E também usava toda a agenda. Confesso que só sei dos meus pais, do meu irmão mais velho, da fazenda, do hospital da minha cidade de origem, da minha madrinha, os meus e...só... Ó céus, minha memória está pior do que eu imaginava! Alguns amigos eu não sei de cor, mas se eu ver o número eu sei dizer de quem é...isso vale alguma coisa? hahaha

Décimo: acho que fiquei tão chocada com a minha memória que mudei os rumos das minhas vãs filosofias e já não sei mais nada sobre minha agenda telefônica, a não ser que voltarei a escrever no papel...
OBS.: Não quero, nem devo, tornar-me (ainda mais) dependente de tantas tecnologias!



quarta-feira, 25 de julho de 2012

Dia do Amigo

Consequência de uma pausa...


A um ausente
Carlos Drummond de Andrade


Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave 
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

OS AMIGOS INVISÍVEIS
Fabrício Carpinejar

Os amigos não precisam estar ao lado para justificar a lealdade. Mandar relatórios do que estão fazendo para mostrar preocupação. 

Os amigos são para toda a vida, ainda que não estejam conosco a vida inteira. 

Temos o costume de confundir amizade com onipresença e exigimos que as pessoas estejam sempre por perto, de plantão. Amizade não é dependência, submissão. Não se têm amigos para concordar na íntegra, mas para revisar os rascunhos e duvidar da letra. É independência, é respeito, é pedir uma opinião que não seja igual, uma experiência diferente.

Se o amigo desaparece por semanas, imediatamente se conclui que ele ficou chateado por alguma coisa. Diante de ausências mais longas e severas, cobramos telefonemas e visitas. E já se está falando mal dele por falta de notícias. Logo dele que nunca fez nada de errado!

O que é mais importante: a proximidade física ou afetiva? A proximidade física nem sempre é afetiva. Amigo pode ser um álibi ou cúmplice ou um bajulador ou um oportunista, ambicionando interesses que não o da simples troca e convívio.

Amigo mesmo demora a ser descoberto. É a permanência de seus conselhos e apoio que dirão de sua perenidade.

Amigo mesmo modifica a nossa história, chega a nos combater pela verdade e discernimento, supera condicionamentos e conluios. São capazes de brigar com a gente pelo nosso bem-estar.

Assim como há os amigos imaginários da infância, há os amigos invisíveis na maturidade. Aqueles que não estão perto podem estar dentro. Tenho amigos que nunca mais vi, que nunca mais recebi novidades e os valorizo com o frescor de um encontro recente. Não vou mentir a eles "vamos nos ligar?" num esbarrão de rua. Muito menos dar desculpas esfarrapadas ao distanciamento.

Eles me ajudaram e não necessitam atualizar o cadastro para que sejam lembrados. Ou passar em casa todo o final de semana e me convidar para ser padrinho de casamento, dos filhos, dos netos, dos bisnetos. Caso encontrá-los, haverá a empatia da primeira vez, a empatia da última vez, a empatia incessante de identificação.

Amigos me salvaram da fossa, amigos me salvaram das drogas, amigos me salvaram da inveja, amigos me salvaram da precipitação, amigos me salvaram das brigas, amigos me salvaram de mim.

Os amigos são próprios de fases: da rua, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, da faculdade, do futebol, da poesia, do emprego, da dança, dos cursos de inglês, da capoeira, da academia. Significativos em cada etapa de formação. Não estão em nossa frente diariamente, mas estão em nossa personalidade, determinando, de modo imperceptível, as nossas atitudes.

Quantas juras foram feitas em bares a amigos, bêbados e trôpegos?

Amigo é o que fica depois da ressaca. É glicose no sangue. A serenidade.

(Canalha, Bertrand Brasil, 2008)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

"Doutores"

Um fato, no mínimo, engraçado é quando se entra para a faculdade de medicina, os familiares já começam a fazer perguntas, brincadeiras, os amigos e até mesmo os desconhecidos idem. E mais real e engraçado ainda é o status que o estudante de medicina possui no meio social, mesmo que ainda esteja no primeiro período...

Sempre tive muito contato com pessoas mais humildes/de baixa renda. E não só o carinho e a fidelidade que elas têm pelos que as tratam com respeito e afeto chama a atenção, mas também a forma como se colocam submissas a estes que elas consideram superiores. Assim que cheguei de férias no interior de Goiás fiz algumas visitas com meus pais, dentre elas, fomos comer um frango caipira na casa simples de uma família muito querida pela minha. Fui recebida com abraços calorosos, perguntas de como está a faculdade e tratada como “Doutorinha”. Sempre respondo que não precisa falar assim, até mesmo porque, atualmente, ainda faltam 5 anos e meio para eu ser uma médica generalista, fora o tempo de residência e outros estudos. Só que as pessoas insistem no vocativo, e argumentam da seguinte maneira: “ah, mas você tem que ir se acostumando, e agora vai ser nossa Doutora né?!”.

No fundo, porém, eu entendo que isso é cultural, uma tradição. Apesar de contestar o vocativo, acho bonito quando bem empregado, porque é uma forma de prestígio, de orgulho que sentem por quem conseguiu "chegar lá". Não o acho necessário, entretanto, não fico contestando a todo o momento quem assim me chama, até mesmo para não causar algum constrangimento ou evitar mágoas. Nesse momento nada melhor do que sorrir, acenar e receber de mente aberta esse "elogio"!

Muitos estudantes de medicina acham-se melhores do que os outros somente por cursarem medicina. O que também é cultural, afinal, as turmas de medicina são as que têm as formaturas mais esbanjadoras e caras (coitados dos meus pais) desde o início dos tempos, o curso mais caro, o curso de mais prestígio e o mais aclamado pela sociedade. Porém, até que ponto isso é necessário? Concordo que medicina é um curso magnífico, lindo, tanto que o escolhi para ser meu futuro, ao mesmo tempo é difícil, duro e cruel. Para quem ama de verdade, o retorno de todo o trabalho é o melhor e mais esperado, acredito que poucas coisas são melhores do que receber um sorriso sincero após salvar uma vida ou auxiliar no bem estar da pessoa, do que um abraço verdadeiro ou do que ganhar um pote de doce de presente – como ainda acontece no interior. Ah, sim, esqueci-me do dinheiro não é mesmo? Pois é, muitos estudantes ainda são ingênuos ao ponto de entrar para a faculdade acreditando veementemente de que sairão ganhando rios de dinheiro, esquecem-se do propósito da medicina, do juramento de Hipócrates, do objetivo humanitário e, principalmente, do quanto terão que “ralar” para conseguir essa quantia que tanto almejam. Um médico só ganha rios de dinheiro logo no início se tiver muitas influências e QI (quem indica), e olhe lá ainda! E mesmo assim, de qualquer maneira, terá que trabalhar mais do que imaginava que fosse capaz de aguentar, terá que enfrentar inúmeros plantões e adversidades, ou seja, terá que esperar para construir/fazer reconhecerem seu nome, que não passa da consequência do seu trabalho.

Estudantes de medicina são apenas estudantes, como outros quaisquer. Estão no mesmo barco dos estudantes de farmácia, biomedicina, fisioterapia, odontologia, direito, letras, música, engenharias e tantos outros cursos, pois estão todos aprendendo e fazendo acontecer para concretizarem seus sonhos, para no final poderem se orgulhar do canudo que encontrarão em suas mãos. Cursar medicina não os torna diferentes de ninguém, muito menos mais inteligentes ou melhores. Portanto, privilégios não se fazem necessários. Não é por estudarem medicina que são superiores do que os outros. Em termos informais, acho ridículo quem se acha melhor, o dono da verdade por estar cursando medicina. E entendo que é a própria sociedade que constrói, conserta e reforma esse pedestal para os estudantes, afinal, vivencio isso.

Essa história começa da tradição cultural presente na infância. Nasce uma criança e os pais já dizem: "esse(a) será nosso(a) futuro(a) Doutor(a)!". Incrustam na cabeça das crianças de que a melhor e maior profissão que existe em todo o mundo é medicina. Felizmente, medicina não é a melhor, muito menos a maior, é apenas uma dentre tantas profissões que move o mundo, a humanidade. Na verdade, ela só é a melhor e a maior para quem é capaz de amá-la com toda a verdade e a sinceridade que existe em seu coração. Enquanto adolescentes, na fase de escolha da profissão, soma-se a cobrança que surge por parte das escolas e cursos pré-vestibulares. Segundo a maioria dessas instituições, medicina é o melhor e maior curso também, já que quanto maior o número de aprovações em medicina maior a publicidade e maior o retorno financeiro para elas. Como podemos perceber, ainda hoje as pessoas possuem essa ideia deturpada sobre a medicina, pois ainda hoje as pessoas tratam diferente os estudantes de medicina e os médicos propriamente ditos, e enquanto houver esse tratamento diferenciado, haverá quem faça de tudo para ter um filho médico, mesmo que forçosamente a partir de ideias errôneas e vergonhosas.

É incrível a vaidade de muitos estudantes de medicina. São capazes de deixar de fazer algo ou achar que os outros o devem fazer por ser um futuro médico. Repletos de “não-me-toques” e frescuras. Acham-se, ainda, no direito de enfrentar tudo e todos. Também acreditam que o mundo inteiro deve saber que eles estudam medicina. Alguns insistem mesmo cursando os períodos iniciais do curso em sair dizendo "sou médico". Vale ressaltar que o número de estudantes de medicina que estão na faculdade ou no curso pré-vestibular em busca dessa vaga devido ao retorno financeiro e status social é, geralmente, maior do que o número de quem cursa medicina por aptidão e amor. E isso se torna cada vez mais claro à medida que conheço estudantes de medicina em faculdades particulares. Ah, ainda existem aqueles que só estão seguindo essa carreira porque os pais, os avôs, os tios e os primos também o fizeram, como se a aptidão passasse de geração a geração...

Dessa forma, constato que o estudante de medicina têm razões socioculturais para engrandecer a si próprio, ao contrário, também constato que a criação que os pais dão ao filho faz toda a diferença. Devo dizer que ao longo desse tempo e da minha trajetória também conheci pessoas indescritíveis, de enorme capacidade para amar a profissão, os estudos e os seres humanos, até mesmo porque, se a pessoa não gosta do ser humano, não devia ser médica.

Enfim, cursar medicina é indescritível, como qualquer realização de sonho, porém, isso não me torna melhor do que os demais, pelo contrário, me torna cada vez mais e mais humana - em seu sentido positivo -, mais e mais aprendiz. E não é por cursar medicina que vou exigir que me atendam melhor, que me garantam privilégios, que me chamem de doutora, visto que doutora só serei quando concluir um doutorado. Ser médico não significa ser melhor do que os outros ou ter privilégios, significa amar ao próximo de tal maneira que você seja capaz de doar-se a ele. Porque para mim medicina é doação, enquanto não houver doação por parte do médico não haverão ótimas consultas, ótimos tratamentos e pessoas saudáveis. Medicina é realmente para poucos, lamentavelmente muitos "poucos" não merecem, mas quem merece deve lutar até o fim, porque eu acredito - como paciente e como estudante - que são esses que fazem a diferença.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Um presente!

Hoje, gostaria de compartilhar um texto imensamente lindo e verdadeiro, cujo autor foi meu professor no curso pré-vestibular (por pouco também não fui sua aluna no ensino médio, lamentavelmente). Vale ressaltar, que foi/é um dos melhores professores que já tive, tamanha sabedoria, simpatia, poder com as palavras e "valor humanitário" presente em seu ser. Posso dizer que ele conquista a atenção, o afeto e principalmente a admiração de todos que têm o prazer de tê-lo como mestre. O Gordinho, também conhecido como Adriano Alves, possui uma formação de dar inveja, até mesmo porque, garanto que são poucos os brasileiros - sem influências sanguíneas ou genéticas - que sabem hebraico...Arrisco-me a dizer também que não existem muitos professores, de qualquer que seja a matéria, com a multidisciplinaridade que ele tem. Durante uma aula de literatura ele consegue falar de biologia, física, química, teologia, sociologia, filosofia, história e companhia, nos faz aprender de tudo e mais um pouco, nos faz enxergar além e fixar todas as matérias.
Publico aqui um de seus últimos textos publicados no facebook. O texto é grande, mas, garanto-lhes, vale muito a pena a pausa para essa leitura!

"O texto abaixo, apesar de longo, talvez interesse a quem queira refletir um pouco sobre a necessidade de se viver o presente:

Tocando em Frente
Almir Sater

Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais

Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz, quem sabe
Só levo a certeza
De que muito pouco sei,
Ou nada sei

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha
E ir tocando em frente

Como um velho boiadeiro
Levando a boiada
Eu vou tocando os dias
Pela longa estrada, eu vou
Estrada eu sou

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia,
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora

Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais

Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Certa vez, alguém pediu-me que dissesse alguma coisa sobre a letra “Tocando em Frente”, de Almir Sater. Como não sou bom em música, o que me cabe mesmo é tentar analisar as palavras. É claro que, nem de longe, arrisco-me a afirmar o que o autor pretendia dizer ou coisas do gênero; apenas tentarei reinventar o texto, lendo-o dentro de meu universo imaginário.

No texto, a poesia (ou lirismo, se preferir) está na arte de aproximar o simples do profundo; é isso que dá a sensação de que se diz o óbvio de um jeito completamente novo. A voz que fala “Ando devagar” introduz versos que traduzem o sentimento de quem lê; é como se você já sentisse isso há muito tempo, mas alguém chegou e disse antes de você. Interessante isso, não é? Os mais belos poemas são esses: os que dizem de um jeito diferente o que o leitor já sabia.

O título “Tocando em frente” relaciona, de forma criativa, o contexto rural de “tocar o gado” ao aspecto filosófico que pretende achar a maneira adequada de se viver; é muito inventiva a capacidade de encontrar a reflexão no próprio cotidiano.

Interessante também é a abordagem do tempo presente, que já aparece nos dois primeiros versos: “Ando devagar/ Porque já tive pressa”. Aqui, afirma-se uma maturidade adquirida com o tempo.

Nós, normalmente, temos uma dificuldade enorme de viver o agora! Quando estamos bem, ficamos planejando o futuro, sonhando com o dia em que seremos realmente felizes. Quando estamos tristes, é comum que voltemos ao passado... e aí que choramingamos o famoso “eu era feliz e não sabia”.

O tempo... Que dificuldade temos em vivê-lo! O passado já foi; o futuro ainda não é; o presente passa o tempo todo. Isso! O tempo escorre-nos por entre os dedos; não há como retê-lo. Se você vai escrever a palavra “presente”, quando chegar à segunda sílaba, a primeira já será passado. O presente é um intervalo mínimo, que tende a nada; e, mesmo assim, é só o que temos. Por isso, a palavra é presente; é a dádiva que nos é oferecida; é o presente que recebemos.

E daí? E daí que, apesar de isso parecer óbvio, a maioria tem uma enorme dificuldade em viver um dia de cada vez, em receber o presente de cada respirar, de cada batida do coração.

Sofre-se desde a infância. Um pai, normalmente, não sabe o sofrimento que causa ao filho de cinco anos, quando, em novembro, promete um presente de natal; o menino passará os dias seguintes em agonia, adiando o dia da felicidade. Mais tarde, vem o vestibular e a felicidade é adiada mais uma vez. Muitos passam a vida assim, pensando que serão felizes quando tiverem aquele emprego, aquele carro, aquela casa, aquela namorada. Assim, o indivíduo morre sem se realizar.

Tudo bem! Eu sei! A insatisfação é importante para fazer o homem progredir; é a insatisfação que nos faz melhorar. Mas, se você correr demais, talvez chegue mais depressa ao único futuro certo: a morte. A vida é, apenas, o intervalo entre o início e o fim; é esse intervalo, cheio de presentes, que você precisa perceber.

Cuidado! Andar devagar não significa, necessariamente, trabalhar menos; não significa diminuir suas atividades. Andar devagar significa ter prazer em tudo que se faz.

Na escola, geralmente, o aluno sofre na segunda-feira; sofre quando chega, às sete da manhã, torcendo para chegar logo o intervalo; vem o intervalo e, assim, aguarda-se o almoço. Lá se vai, dia após dia, esperando a felicidade que virá no sábado. Que vida miserável! Por que não tentar ter prazer agora? Você já tentou? Talvez não seja tão difícil assim!

Parte da receita de ser feliz está aí! Planeje o futuro, receba as lições do passado, mas não deixe de viver o agora!

Tudo isso me faz lembrar aquele filme “Click”, com Adam Sandler. Não, não quero falar dele, mas quem assistiu a esse longa sabe do que estou falando.

Os versos “E levo esse sorriso/ Porque já chorei demais” confirmam o aprendizado diante dos acontecimentos da vida e acrescentam uma nova ideia: nesse caso, mostra-se a capacidade que o indivíduo tem de mudar a forma como ele encara a própria vida.

É incrível! Algumas pessoas são sempre tristes; outras são sempre felizes. E, não se engane, nem sempre isso se relaciona de forma direta ao que acontece no dia-a-dia; nem sempre isso é uma questão endócrina, fisiológica. Algumas pessoas, mesmo que não saibam, optam por serem felizes; outras preferem a tristeza.

Escute, na vida, nada faz sentido em si mesmo, nada é bonito ou feio; uma praia linda que nunca ninguém viu não poderá ser linda. Como já disse, nada é bonito, nada é feio; nada é importante, nada é desimportante. Você, inclusive, só poderá ser importante na opinião das pessoas que gostam de você. É isso mesmo! Você não é importante em si mesmo. Não importa o quão inteligente você seja! Não importa o dinheiro que você tenha! Não importa o que você faça! Em si, você é mortal, falível e, às vezes, tolo o suficiente para não perceber que a vida não tem sentido; ela tem sentimento. Claro! Você tem que ser feliz não porque dois e dois são quatro; você tem que ser feliz por causa das pessoas que amam você, por causa das pessoas que você ama.

“Mas a vida humana em si não oferece motivos para a felicidade.”, dirá o eterno pessimista. Que tolice! Ele não percebe que o que ele diz nem sentido tem? Não há razão humana que explique um estado de espírito duradouro. Tudo bem que uma coisa ou outra pode trazer alguma alteração de humor, mas, nesse caso, a mudança é passageira. Quem é triste também não possui motivo lógico para isso!

Por isso, é muito comum ouvir a história de um rapaz que tem tudo e, mesmo assim, é revoltado; da mesma forma, sempre ouvimos falar daquele que nada tem e, ainda assim, é sorridente.

Viu? Você não tem motivo para ser feliz, mas também não tem motivo para ser triste!

A escolha é sua! Espero que aquele que já chorou muito dê um tempo agora! Chega! É hora de sorrir...

Aí vem a segunda estrofe: “Hoje me sinto mais forte,/ Mais feliz, quem sabe/ Só levo a certeza/ De que muito pouco sei,/ Ou nada sei”. Aqui, mais uma vez, revela-se o aprendizado que a vida oferece; esse aprendizado leva-nos a repetir a conclusão a que Sócrates chegou lá na Grécia Antiga, há quase 2500 anos: “Só sei que nada sei”. É claro que essa fala não possui uma dimensão apenas objetiva; é lógico que nenhuma pessoa, por mais inteligente que seja, é capaz de apeender o universo em sua totalidade, mas não é somente isso que se quer dizer. Parece paradoxal, mas não é! A sede de saber é o resultado de se sentir analfabeto diante do mundo.

Você já ficou boquiaberto diante de um belo pôr-do-sol? E o prazer que isso dá? Por mais que eu queira explicar, geometrizar, falar das cores, da simetria, o belo possui mais sentimento do que sentido.

Por mais que eu estude física, o pôr-do-sol será sempre um prazeroso espetáculo, será uma explosão de cores, de lembranças, de sonhos; será a deliciosa impressão de que nada sei.

Você já experimentou isso, essa inacreditável sensação de nada saber? A sensação de gostar de um cheiro só porque ele é bom...

Como cristão, acredito que essa experiência nos aproxima de Deus; torna-nos humildes, cala-nos a voz arrogante e abre-nos os ouvidos, para que possamos ouvi-Lo, falando em nós.

Só assim estarei mais próximo da verdadeira sabedoria e da verdadeira felicidade: tenho que querer saber tudo, mesmo sabendo que nada sei.

Essa disposição para respirar a vida leva-nos a “Conhecer as manhas/ E as manhãs/ O sabor das massas/ E das maçãs”. Só quem está acostumado a sentir as sutilezas do cotidiano é capaz de perceber as mínimas coisas.

Meu irmão Rodrigo é músico; ele, quando toca seu trompete, sabe se uma nota está adequada ou não; quando ouve uma música, ele sabe o que deu errado, que instrumento falhou, que voz não se encaixou... Eu? Não entendo nada disso; meu ouvido não é treinado para essas coisas. Em música, não percebo a diferença entre “manhas” e “manhãs”. Meu ouvido é surdo para isso.

A língua portuguesa é muito rica; sua variedade sonora, inclusive, confunde quem não está habituado com ela. Para um inglês, que vem ao Brasil, talvez seja muito difícil, sonoramente, diferendiar “massas” de “maçãs”. Mas, para mim, que sou daqui, isso é muito fácil e até óbvio.

As diferenças entre o oral e o nasal, o átono e o tônico, o som aberto e o som fechado, tudo isso é muito sutil e difícil de ser percebido por quem não está familiarizado com a língua portuguesa.

O que quero dizer? Simples, pretendo mostrar que, assim como você treina o ouvido para a música ou para uma língua, é necessário treinar o ouvido para a vida.

Às vezes, é preciso parar, frear o tempo para ouvir o pôr-do-sol!

Certa vez, “Oscar Wilde disse que a vida é o que acontece enquanto pensamos em outra coisa”. Então, perceba a vida, sinta-lhe o sabor, o cheiro, misture-lhe as sensações; arrume um tempo para sentar-se à mesa de si mesmo e farte-se, encha-se da própria existência.

Imagine você tentando explicar o gosto do açúcar para alguém que nunca o experimentou; a vida é assim... você tem que vivê-la para experimentar-lhe o sabor.

E o que significa viver a vida? Pensar sobre isso já é um bom começo...

Só assim é que se nota que “É preciso amor/ Pra poder pulsar/ É preciso paz pra poder sorrir/ É preciso a chuva para florir”

Na estrofe acima, inclusive, o último verso faz uma associação interessante; ele relaciona nossa vida à natureza; sentir a vida é algo natural, qualquer um consegue... é natural como a relação entre chover e florir.

Aí, retoma-se a ideia já dita. Parte da lição de ser feliz está em se viver o presente, em se compreender a marcha: “Penso que cumprir a vida/ Seja simplesmente/ Compreender a marcha/ E ir tocando em frente”.

Agora, a discussão volta ao cotidiano da voz-poética: “Como um velho boiadeiro/ Levando a boiada/ Eu vou tocando os dias/ Pela longa estrada, eu vou/ Estrada eu sou”.

E apesar de a problemática ser cotidiana, os sentimentos universalizam-se: “Todo mundo ama um dia,/ Todo mundo chora/ Um dia a gente chega/ E no outro vai embora// Cada um de nós compõe a sua história/ Cada ser em si/ Carrega o dom de ser capaz/ E ser feliz”

Por fim, anote a lição: sinta o agora!"

(Professor Adriano Alves - 15/07/2012)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Dica do dia

Consequência de uma pausa...

Férias é sinônimo de ler, escrever, passear, dormir mais que o necessário, viajar, aprender algo novo ou reforçar o que já aprendeu, enfim, férias é padecer na folga e na preguiça! Por que não curtir esse período assistindo filmes? Bom, tenho uma lista enorme aqui, quatro já se foram!

Desses quatro primeiros já vistos, indico dois. Chocantes, talvez espetaculares. Porém, poucos são os que gostam, até mesmo porque, impossível se sentir confortável diante desses filmes...

O primeiro é um drama, muito bem escrito e dirigido. "Confi@r" é uma obra reflexiva, principalmente para quem já tem filhos. Ele mostra a realidade e a dificuldade de se criar filhos, principalmente com as novas tecnologias. Mas não só isso, vai além, faz-no refletir sobre as relações entre pais e filhos, sobre a compreensão de sentimentos. Outro ponto é a questão de saber onde mora o perigo, porque, ao contrário do que imaginamos, ele pode estar ao nosso lado ou onde menos esperamos. E, como suportar e superar uma tragédia? O título eu interpretei de várias formas:
1. Até que ponto podemos confiar em alguém que conhecemos pela internet?
2. Como criar uma relação de confiança entre pais e filhos?
3. Diante de uma tragédia, seria o suficiente confiar no poder público para solucioná-la?
4. Após essa tragédia, como confiar em mais alguém? Para quem contar segredos e compartilhar sua vida?
5. É possível confiar de olhos fechados em quem está "sempre ao nosso lado"? (Essa foi uma das últimas perguntas, irão verificar na última cena do filme, ao final de tudo. Foi também uma das cenas que me deixou mais surpreendida e chocada, diga-se de passagem!)
Ah, não se esqueçam do lencinho para secar as lágrimas!



O segundo está me fazendo ir em busca do livro que serviu de suporte - embora quase sempre me decepcione com filmes baseados em livros, visto que o filme, geralmente, foge muito do livro e até mesmo muda os rumos das histórias e as mensagens. "A pele que habito", dirigido por ninguém mais ninguém menos que Pedro Almodóvar, é motivo para muito debate, já que Almodóvar caiu no conceito da maioria depois do filme "Abraços Partidos". Sendo assim, muitas dúvidas surgiram em consideração a esse suspense, no mínimo, curioso. Em relação a maioria, no geral, digo que poucos gostam por não ser um filme hollywoodiano, porque querendo ou não, estamos mais acostumados com filmes americanos, infelizmente. Alguns não sabem o que estão perdendo com filmes franceses, indianos, espanhóis, e até brasileiros, que ultimamente têm ganhado pontos positivos comigo.
Voltando...Em A Pele que Habito uma estória extraordinária se desenrola aos poucos. Há algum tempo não via, em um único filme, tantos temas para debates e reflexão misturados ao terror e à ciência. Os encaixes se fazem ao longo do filme, e assim vamos decifrando enigmas e compreendendo ações e reações das personagens. São tantas surpresas e imprevisibilidades que ao final nos vemos boquiabertos.
No momento, citarei algumas das reflexões que perambulam em minha mente...
1. Até onde a ciência é bem vinda e até que ponto o homem pode usá-la ao seu bel prazer?
2. Seis anos é muito tempo! Muitas transformações podem acontecer...
3. O que é loucura? Quando devemos considerar alguém louco?
4. Vingança é loucura? Vingança: não é justo mas é correto? E a justiça pelas próprias mãos?
5. Segredos que podem interferir na vida de outrem devem ser revelados?
6. A fidelidade de uma mãe pelo filho deve superar atos inescrupulosos promovidos pelo filho?
Ah, atentem-se para as obras de arte/pinturas/quadros da mansão. E, uma cena que me deixou desconcertada/enojada - depois descobri que não fora só eu -, a do "tigrão com a Vera", vocês saberão identificá-la e o porquê...
Por último, sinceramente, na minha humilde opinião, Elena Anaya superou Antonio Banderas no quesito interpretação. Ambos surpreendem, entretanto, ela mais que ele!
Confiram essa crítica: http://cinemacomrapadura.com.br/criticas/237267/a-pele-que-habito-almodovar-reitera-seu-potencial-de-contar-grandes-historias/



E questões que ambos os filmes geram: relação entre pai e filha e confiança.
1. O quanto um pai é capaz de suportar são/consciente atrocidades com sua filha? Qual a melhor maneira de agir?
2. Como se baseia a confiança de uma filha pelo pai em "estado de loucura"?

Enfim, são muitos detalhes, muitas estórias, muitas reviravoltas, vale a pena assistir a ambos os filmes! Caso não gostem, peço desculpas de antemão, mas gosto, realmente, não se discute! E, férias ou folga, tudo está valendo para suprir o tempo!

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Aparências

Os Albuquerques formam uma família feliz.

A mãe acorda cedo diariamente para coordenar as funções das empregadas domésticas. Ela também acorda os filhos e o marido. O filho mais novo é o primeiro a se levantar e se preparar para ir à escola, ainda não entende muita coisa, mas o bastante. O filho do meio é menos ativo, porém, mais observador. O filho mais velho é calado e só pensa no mundo paralelo em que vive. O marido, a princípio, apenas trabalha, função de provedor da família.

O café-da-manhã transcorre em silêncio, até mesmo porque, cada um tem seu horário e suas atividades. Geralmente, o filho mais novo senta-se à mesa com o pai e a mãe. A única expressão dita é "dormiu bem?". Cerca de quarenta minutos depois aparecem os outros dois irmãos, ambos calados, cada um com seu fone de volume máximo no ouvido. Por fim, a mãe observa as empregadas retirarem a mesa enquanto os filhos se encaminham à escola, já que o marido há muito saiu para o trabalho.

Durante a manhã a mãe apenas observa os serviços das empregadas e vai para a academia, às vezes lê e, um dia na semana, vai ao salão. Os filhos estudam, ou, quase todos, já que o mais velho  vive em um mundo paralelo que não o permite concentrar-se nos estudos. O marido trabalha.

Na hora do almoço todos voltam, menos o marido. O filho mais novo não para de conversar, o do meio ouve e o mais velho almoça no quarto, enquanto isso, a mãe sorri. O marido almoça em restaurantes próximos ao trabalho, nunca lhe falta companhia.

A tarde todos têm atividades a serem realizadas. O filho mais novo vai para a natação. O filho do meio vai ao curso de línguas. O filho mais velho sai para andar de bicicleta pelas ruas. A mãe não fica em casa.

Chega a noite, e com ela os jantares beneficentes, visitas, festas de bodas e aniversários, que são compromissos que aparecem quase todos os dias, afinal, a família Albuquerque possui muitos contatos. Apresentam-se sorrindo, felizes, educados, comunicativos, sinônimo de família perfeita para a maioria.

Só faltam algumas observações sobre a família Albuquerque. O marido trai. A mãe usa as tardes para ir ao psiquiatra, renovar a receita dos remédios controlados. O filho mais velho é viciado. O filho do meio tem depressão. O filho mais novo é o único que sabe de tudo isso.

Os Albuquerques formam uma família feliz, mas vivem de aparências.

"Porque não nos recomendamos outra vez a vós; mas damo-vos ocasião de vos gloriardes de nós, para que tenhais que responder aos que se gloriam na aparência e não no coração".(2 Coríntios 5:12)
"Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te". (2 Timóteo 3:5)
"E, olhando o filisteu, e vendo a Davi, o desprezou, porquanto era moço, ruivo, e de gentil aspecto". (1 Samuel 17:42)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Caibo, talvez



"Sou composta por urgências: 
minhas alegrias são intensas; 
minhas tristezas, absolutas. 
Entupo-me de ausências,
Esvazio-me de excessos. 
Eu não caibo no estreito, 
eu só vivo nos extremos.

Pouco não me serve, 
médio não me satisfaz,
metades nunca foram meu forte! 

Todos os grandes e pequenos momentos,
feitos com amor e com carinho,
são pra mim recordações eternas.
Palavras até me conquistam temporariamente...
Mas atitudes me perdem ou me ganham para sempre.

Suponho que me entender 
não é uma questão de inteligência 
e sim de sentir, 
de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.”

(Atribuído à Clarice Lispector, mas ainda tenho minhas dúvidas quanto a isso, não encontrei nem mesmo o livro de referência...)