quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O sonhado século XXI

             Em meio as montanhas tudo parecia mais fácil. A vida parecia uma “coisa” de tão simples. Aquele vento singelo com aquele chiadinho que nos transmite uma calma transcendental, a brisa circundando e acariciando meu corpo como nunca alguém foi capaz de fazer, o chacoalhar do capim, das árvores e o vôo dos pássaros acompanhando o vento, pareciam estar na melhor brincadeira do mundo, voando de cá para lá e de lá para cá, sem preocupações e em plena harmonia. Que vontade de saltar do alto, saltar do cavalo, abrir os braços e simplesmente voar. Passear pelo azul do céu, encoberto de belas nuvens, será que elas eram doces como algodão doce? Visualizar toda aquela paisagem do alto, que bela visão panorâmica seria! Tanto verde, tanta água, tantos animais, quanto vento, quanta calma.
            Nada melhor que galopar, abrir os braços e se deixar levar. Seguir os instintos. Seguir o coração. Não se importar. Esquecer as conseqüências, que elas venham depois, agora não, agora não. A brisa torna-se mais forte, a ventania principia e com ela a chuva. Não uma chuva qualquer, mas sim aquela chuva capaz de nos lavar, nos livrar. Aquela chuva que carrega junto dela tudo o que não queremos, que leva as impurezas e as escondem embaixo da terra ou nas nuvens, mas que independente de como for, não deixam que essas impurezas voltem. Aquela chuva sem ácidos. Pura. Limpa. Gostosa. Gelada. Macia. Sentir o cheirinho de terra molhada, nada melhor. Sentir a chuva batendo direto no seu corpo. Fechar os olhos. Imaginar. Lembrar. Se acalmar. Chorar. Sentir-se purificada. Correr. Cair. Levantar. Sujar. Nem ligar. Deitar. Descansar. Se libertar. Como é mesmo ser criança?
            A chuva passa e leva consigo tudo o que tinha para levar. Leva a terra. Leva bichinhos. Leva o que tinha de indesejável. Leva o que era leve. Faz seu papel na terra. Faz seu papel no ar. Faz seu papel na alma. Volto a subir no cavalo e faz-se o caminho de volta. Tudo belo, alegre, colorido, em paz. Quanta tranqüilidade, há quanto tempo não me sentia assim mesmo?
 – Onde você estava? – Voltou a ser criança? – Nos deixou preocupados! – Como foi capaz de fazer isso? – Você tem que deixar de ser inconseqüente! – Olha seu tamanho, já é uma mulher! Sim. Já sou uma mulher, e essa é a melhor resposta. Tudo em paz? Aquele era um momento meu, só meu, ninguém deveria interferir. Solidão nem sempre é ruim. Como também nem sempre é ruim realizar os desejos mais profundos, dar espaço para a liberdade da mente e não se importar com o que os outros pensam ou digam.
Já tinha me esquecido de como é gostosa a liberdade, de como a natureza é benéfica. Nem lembrava mais de como é bom andar à-toa, desligar-se do mundo real (ou seria virtual?), deixar-se levar, ir de acordo com os sons do coração, da natureza, de acordo com o instinto. Ainda existe vontade própria? Sim, existe.
Voltei à cidade. Contrariei meu coração, minha mente, minha liberdade, a natureza. Mas é a necessidade (a ocasião não faz o ladrão? – poderia interferir e colocar um ‘geralmente’). Troquei o chiadinho do vento pelo grande chiado das buzinas. Troquei o chacoalhar do capim pelo chacoalhar da academia. Troquei meu cavalo pelo carro. Troquei o banho de chuva pelo chuveiro de água quente. Troquei a cama de capim pela cama de colchão ortopédico. Troquei a música da natureza pela música estridente do toque do celular. Troquei a paisagem natural pela antrópica, reta, cinza e concrética. Troquei a pureza pela ardência dos pecados que nos rodeiam a todo o momento. Troquei a solidão pelos conselhos intermináveis de que não é possível viver sozinha, de que obrigatoriamente tem que ter alguém, pelas festas, pela presença de pessoas indesejáveis por pura interferência alheia e nada de espontaneidade e franqueza. Troquei o ar puro pelo peso e sujeira da poluição. Troquei o livre arbítrio pelos livros de auto-ajuda e mandamentos. Troquei a liberdade pela clausura das grades, das câmeras de segurança. Troquei o ar livre pela caverna de Platão.

2 comentários:

  1. Querida Letícia; penso que as pessoas tiram férias e vão para junto da natureza para resgatar as coisas de menino, a liberdade de sonhar e construir o próprio castelo fazendo da vida um brinquedo, como qualquer outro brinquedo um dia quebra.
    Segundo Rubem Alves, "Criança é isto: desejo de prazer, corpo entregue ao brinquedo, atividade que é um fim em si mesmo, pela pura alegria que produz. Na linguagem dos sonhos: é preciso que os adultos se transformem em crianças."
    Abraços.

    Gostaria de contar com seu voto para o Top Blog 2010, últimos dias. Na primeira fase fui bem votado, mas na segunda estou ficando para trás. Preciso que os amigos entrem no meu blog e clicando no selo Top Blog preencham os campos nome e email, e depois confirmem. Ainda há chance, porém, não sem sua ajuda. Agradeço desde já.

    Jefhcardoso do http://jefhcardoso.blogspot.com

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  2. Concordo com seu comentário e com os dizeres do Rubem Alves (do qual sou fã!).
    E, com certeza, já contribui com o meu voto no seu blog. Parabéns pelo blog e boa sorte!
    Abraços!

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Então, o quê você me diz?