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Feliz Ano Novo foi lançado no ano de 1975, em época de ditadura militar no Brasil. Mas, no fim de 1976, depois de já terem sido vendidos mais de 30 mil exemplares, o Departamento de Polícia Federal recolheu todos os exemplares devido a um despacho do Ministro da Justiça da época, Armando Falcão, o qual proibia a publicação e circulação do referido livro. Em 1977 o escritor entrou com um processo contra a União e somente em 1989 a obra foi liberada pelo Tribunal Regional Federal.
O livro consta de 15 contos, obviamente muito bem escritos, que nos levam a refletir sobre a própria sociedade e suas atitudes e, ainda, sobre o instindo animal que todo ser humano possui, uma vez que, como já disse em posts anteriores, muitas vezes nos esquecemos desse "pequeno detalhe" e nos julgamos acima de tudo e todos. Creio que justamente por analisar sobre as ações humanas, seus instintos e pensamentos mais pervertidos, depravados e sujos os políticos da época decidiram por suspender o livro e "livrar a sociedade" de tal análise, que diga-se de passagem, é totalmente verdadeira.
Embora sejam contos ficcionais a impressão que tenho é que existe mais realidade que ficção nesses escritos. Pode ser que nos deixam imagens feias, algumas sensações de nojo, com palavreados nem um pouco cultos e sim coloquiais, usados principalmente pelas camadas mais simples da sociedade. Mas "a verdade está nos olhos de quem vê", e para mim esse livro mostra a realidade. Ele foi escrito na década de 70 e vale para a realidade que estamos vivendo agora e sempre vivemos, ele nos mostra verdades universais, válidas para todos os territórios e épocas.
Essa obra nos mostra os instintos humanos que muitos suprimem no dia-a-dia, por não serem bem vistos pela sociedade ou por realmente fugirem das leis que deviam manter a ordem numa civilização.Vou me apropriar dos dizeres da contra-capa do livro e aqui esclarecer melhor o que gostaria de dizer-lhes.
"Feliz Ano Novo é, do ponto de vista temático, uma coletânea de faits divers da vida diária: mesquinhas ocorrências, histórias sem glória e sem heroísmo que nos jornais ganhariam um canto das páginas policiais. [...] O que inquieta no livro é que esse mundo marginal distante se vai aos poucos revelando como nosso prórpio mundo, onde os desvios são cada vez mais a norma." (Zuenir Ventura, Visão, 10.11.75)
"A violência, em Rubem Fonseca, não é uma atitude; é simplesmente um meio de expressão que se impõe, uma verdade gritada no faroeste urbano." (Hélio Pólvora, Jornal do Brasil, 8.10.75)
"Para Rubem Fonseca, a questão básica não é o crime, a pornografia e a violência, mas exatamente a desmistificação dos atuais conceitos de violência, pornografia e crime." (Affonso Romano de Sant'Anna, Veja, 05.11.75)
Acredito que agora vocês já devem ter percebido os temas centrais do livro e o quanto são, digamos que, fortes. Com certeza quem não tem um olhar crítico é obrigado a ter estômago e sangue frio para ler essa obra, pois quem tem já está acostumado com as verdades bem ditas. Os contos indicam o que já passou ou o que se passa na mente de muitos, mas que o bom senso e a questão de ser um ser humano "racional e civilizado" - ou ao menos a lembrança e os resquícios disso e, o medo de ser preso - o levam a despensar e não fazer. Acontece que nas obras, os crimes são cometidos e a maneira/modo é considerada normal.
Não existe nenhum esteriótipo no livro, muito menos pensamentos no "melhor" estilo burguês. Tanto homens ricos como homens miseráveis cometem crimes e atos totalmente brutais e horrendos. Pensando bem, acho até que o livro chegou às mãos de alguns e serviu de inspiração para muitos bandidos por aí, pois hoje em dia os crimes relatados nos textos podem ser vistos em manchetes. O interessante é que já estamos tão acostumados com brutalidade, crimes, manchetes, noticiários policiais que a importância dada a esses atos não nos chocam e nem nos "acordam" para a vida que estamos levando, para os riscos que estamos correndo diariamente. O que estamos vivenciando são os sintomas da banalização a que estamos submetidos com tantas informações superficiais e surpléfuas, além das disputas midiáticas. Crimes viram palcos para que herois surjam - como aconteceu na caso dos Nardoni, no qual o promotor Francisco Cembranelli foi considerado um grande heroi e tudo na TV parecia uma peça de teatro, com direito a comemoração com fogos de artifício no final - e a atenção das pessoas estão voltadas para o que "cai na mídia" e, principalmente, para si mesmas, para o próprio umbigo, como se o que acontece na sociedade está extremamente longinquo da realidade dela, o que, sinto dizer-lhes, não é a verdade.
Voltando...todos estamos aptos a cometer crimes e ter os pensamentos mais impróprios possíveis, tais como nos é mostrado nos contos do livro. Os instintos animalescos estarão sempre conosco, podemos andar vestidos, virar vegetarianos ou não maltratar os animais, nos comportar numa mesa e seguir regras de etiqueta e simplesmente - ou dificilmente, isso é relativo - viver em sociedade, mas, no fundo sempre temos os nossos instintos abafados e prontos para nos subir a cabeça quando algo dá errado, está fora do "normal" ou do que esperamos. Quando a adrenalina é liberada em alta quantidade nem mesmo temos consciência do que estamos fazendo, e são nesses momentos que os atos mais impensados possíveis podem se concretizar e chocar após tudo ter acontecido. Para exemplificar, você tem a consciência de que no seu estado normal não matará ninguém, nem mesmo um animal, mas se um criminoso adentrar sua casa e fizer atos brutais com sua família e você assistindo a tudo conseguir pegar numa arma, o que fará?
Então, fica aí a dica para quem se interessar. Eu gostei bastante. Poderia ficar horas e horas escrevendo sobre cada conto, sobre o meu ponto de vista de cada parte, pois, com certeza, ainda há muito o que se dizer sobre os contos, mas, agora não dá, deixo para mais tarde. E podem deixar que não me esquecerei disso...com o tempo vamos comentando sobre os contos por aqui, afinal, são tão universais, não é mesmo?
Vivi parte do regime militar, e lembro bem da época de Geisel e do Figueiredo, ou seja, basicamente o final, mas, ainda assim, com um controle muito grande do Estado sobre tudo e todos. Na época, era costume escrever subliminarmente, sendo esta a forma que autores e compositores tinham de levar a público o que o Estado proibia. Nasceram, nessa época, grandes obras, e o livro do Rubem Fonseca foi uma delas.
ResponderExcluirNo tocante a questão comportamental analisada, tanto por você quanto pelos comentários da contra-capa, cabe dizer que o que mais assombra, é justamente o fato de que, com o passar do tempo, começamos a achar tudo normal e banal, e é justamente esse o fato que me assusta. Já não nos assustamos quando ouvimos sirenes, ou quando vemos na TV que um estudante agrediu um professor.
Faz dois dias, um aluno matou um professor, e todos ficaram aterrorizados, mas amanhã, quando mais dois ou três professores morrerem dessa forma, já será um fato normal, e estaremos esperando algo ainda mais aterrador para nos comover. Isso é normal? É uma atitude sadia? Creio que não.
O bem e o mal residem em cada um, e cabe a cada pessoa equilibrá-lo da melhor maneira. Diante de uma situação de perigo iminente, qualquer pessoa pode, num lampejo, tomar atitudes violentas. mas, uma pessoa normal irá se sensibilizar, posteriormente, com esse fato. Já em outra hipótese, existem aqueles que não precisam sequer de uma situação de perigo para se tornarem violentos. Já está implícito um desvio de conduta ou de caráter nessa pessoa, e ele simplesmente age da forma mais terrível contra seu próximo. O ruim nisso tudo, é a omissão premente que existe por parte das autoridades, o que acaba permitindo que atos violentos continuem acontecendo livremente.
Não tem jeito, não é, Letícia? Vou parar de escrever lá no meu blog e vou me mudar para cá... rsrs.
Adorei a postagem. E quanto às indicações de leitura que faço sobre você para meus amigos, nem ligue para isso. Faço com orgulho, pois o que é bom, tem que ser apreciado e incentivado. Um abraço.
Marcio
Letícia, bom dia! Como é bom ir descobrindo talentos pela blogsfera! Esse seu blog me foi indicado pelo Márcio JR (a quem já considero um grande amigo) e para mim é como se eu tivesse adquirido um bom livro, desses que nos dão um enorme prazer em ler e que desejamos não terminar nunca.
ResponderExcluirO Rubem Fonseca está, para mim, entre os melhores escritores brasileiros. Além desse que você citou o primeiro e que me marcou muito pela intensidade narrativa, foi VASTAS EMOÇÕES E PENSAMENTOS IMPERFEITOS. De lá para cá, tudo o que vejo dele, dou um jeito de ler. Depois li AGOSTO e há pouco tempo li OS PRISIONEIROS (também um livro de contos).
Sua visão crítica da sociedade é incomum para as pessoas de sua geração o que a coloca num patamar elevadíssimo de construção de idéias próprias e muito fecundas. Prazer enorme em conhecê-la e já lhe aviso que virei seguidor de carteirinha. rsrs. Meu abraço.Paz e bem.
Realmente Marcio JR, eu aprecio bastante as obras que nasceram nessa época, justamente pelas mensagens, análises, ambiguidades e entrelinhas que possuem. A época da ditadura, que tentou suprimir tudo isso, teve a consequência reversa, e os movimentos artísticos afloraram e grandes nomes e obras-primas surgiram.
ResponderExcluirConcordo com você no que diz respeito ao comportamento das pessoas diante desses fatos chocantes, como já disse no texto!
Obrigada pelo carinho, elogio e consideração, e lógico, sinta-se sempre bem vindo e livre para se expressar e "publicar" por aqui...
Abraço!
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Olá Cacá,
Seja bem vindo ao "meu mundo virtual", é um prazer receber cada um que aqui visita, lê e principalmente, opina!
Pois é, agora vou procurar os outros livros para também lê-los, adorei esse aqui comentado!
Aah, obrigada, fico muito feliz com seu comentário a meu respeito!
E vou adorar sempre recebê-lo por aqui!
Abraço!