quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Ei, tá me ouvindo?

Você acorda e a porta está aberta. Pela manhã, pela tarde e pela noite, a porta sempre está aberta. Não, não estou falando no que diz respeito às oportunidades. A leitura é feita em seu sentido literal, porque simplesmente a porta está aberta. Tudo bem, aonde eu quero chegar com esse fato?

Estamos em um condomínio vertical, 4 apartamentos por andar. Até aí, nada de mais. São 6h30min quando você sai de casa e a porta da vizinha já está aberta, com direito a som ligado, televisão falando para as paredes, luzes acesas e conversa, muita conversa. Às 13h você retorna para casa, e lá está a porta aberta, com tudo do mesmo jeito de cedo. Uma fresta nem tão grande nem tão pequena, mas que permite a passagem de luz (segundo a física, um dos princípios da luz é a sua propagação retilínea e como também existe o princípio da reversibilidade, o que nenhum dos dois vem ao caso, só para motivo de "cultura física"). Aquela simples frestinha também nos permite enxergar a intimidade da casa. E não posso deixar de comentar a impecável tartaruguinha de croche segurando a porta, afinal, ela é imprescindível, ela que nos proporciona a visão curiosa.

Depois de um tempo você percebe que em todos os momentos que você sai ao corredor, a porta está aberta. Às vezes nem tem sinal de vida naquela sala aconchegante, com sofás beges que nos convidam a não só sentar, mas também deitar; cadeiras rústicas e uma luminosidade surpreendente. Faça chuva, faça sol, a porta está aberta, convidativa. Enquanto espera o elevador ouve o que se passa naquele vizinho. Conversa, muita conversa. Certo, o som se propaga pela fresta. Alto? Fácil perceber que quem conversa é uma velhinha tagarela. Assuntos cotidianos estão no topo da lista, é merecido o destaque. É aquela vizinha de baixo que falou daquilo, é a síndica que pediu aquilo outro e o porteiro que interfonou para perguntar da visita. Ela sai para o corredor, e, sim, dessa vez te pegou no flagra! Não tem problema. Você recebe um convite para entrar, sentar, comer um bolo, tomar um cafezinho e prosear bastante. Uma pena, você tem pressa, tem que trabalhar, estudar, sair, deixa para outro dia. Ah, mas vizinhos são quase parentes, tem que ter contato, ser amigos, conversar, se conhecer, é melhor você arrumar um tempinho e aparecer aqui na minha casa mais tarde, vou te esperar! De certa forma o convite se estendeu para pelo menos os 2 andares de cima e os 2 de baixo, e ainda te perguntava de vez em quando: "Ei, tá me ouvindo?!". Pode ser mania, ou surdez mesmo, simples questão fisiológica, um dia, no auge dos 70 anos saberemos como é. O certo é que o convite foi recusado. Porém, a curiosidade ficou ainda mais aguçada.

Essa história se repete diariamente. Cedo, tarde e noite, lá está a porta aberta, mostrando um ambiente familiar e acolhedor. Que vontade de entrar e ficar horas esquecidas simplesmente conversando! É perceptível que idosos são sensíveis, que sentem falta do tempo em que conheciam seus vizinhos, que todos tinham tempo para prosear e tomar um cafezinho, daquela época em que se podia ficar horas sentados numa cadeira de fio a porta de casa, sem preocupações com o movimento da rua (a não ser as fofocas do dia), com a violência, com o medo, com as varizes e estrias de ficar muito tempo numa posição só, por simples prazer. Também é fácil perceber que com o tempo nossas necessidades fisiológicas modificam-se, bem como nossa alma, nossa vida e tudo ao nosso redor. A velhice nada mais é do que a certeza de que você já conseguiu vencer muitos obstáculos e fez por merecer a vida que leva nessa época. Essa frase "ei, tá me ouvindo" é completamente diferente daquela "Adriano, tá me ouvindo", embora sejam bastante semelhantes na construção lexical. A primeira frase apenas implora por mais atenção e compaixão.

Podeira sentar-me aqui e escrever um outro texto, a partir do mesmo tema central, reclamando do quanto minha vizinha conversa alto, faz barulhos, recebe muitas visitas, e o quanto isso é ruim para os vizinhos, que não tem muita tranquilidade e silêncio a sua volta. Poderia condenar o fato dela deixar a porta aberta o dia inteiro, mostrando sua privacidade, sua casa, sem medo de um intruso passar ileso pelas câmeras de vigilância e adentrar ao seu recinto. Poderia criticar de inúmeras formas o comportamento dessa vizinha. Mas, de quê isso adianta, se na verdade, é tudo questão de convivência social, educação, solidão, respeito, saudade, compaixão e regência da moral e das leis dos bons costumes e da boa vizinhança? De quê adianta desdenhar, se um dia eu chegarei a tal idade, e também corro o risco de compartilhar dos mesmos sentimentos dela? De quê adianta ter a frestinha clareando nossa mente se não aproveitarmos a efusão de ideias consequenciais? De quê adianta condenarmos alguém sem antes saber o que realmente se passa, ou, se num futuro poderemos estar na mesma situação?

2 comentários:

  1. Oi...deixo aqui o meu melhor abraço e o desejo que seu final de semana seja abençoado!

    Zil

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  2. Olá Zil!
    Obrigada pela visitinha! :)
    Um grande abraço e uma ótima semana para você também!
    Beijos, ;*

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Então, o quê você me diz?