sexta-feira, 1 de abril de 2011

"Cidade dos Anjos" e o ser humano

Consequência de uma pausa...

Sim, hoje, em plena sexta-feira, tirei uma folguinha, e que folguinha, diga-se de passagem. Parei apenas para tomar um sorvete e sentir-me um pouco mais refrescada diante do calor infernal que está fazendo em Goiânia, e, enquanto isso, comecei a mudar os canais na tv aberta (vale ressaltar que fico a maior parte do tempo mudando de canal, é difícil encontrar algo que me satisfaça, a não ser minhas séries prediletas e filmes em geral, rs) e me deparei com o início de um filme no SBT (por incrivel que pareça, assisti SBT, rs). Li o título: "Cidade dos Anjos" e comecei a assistir, fui assistindo, assistindo, assistindo e me interessando cada vez mais. Numa sexta-feira, praticamente 18h uma emissora de tv transmitir um filme com carga psicológica tão densa como esse é quase inacreditável. Imagino que muitos assistam devido ao romance, mas, confesso, uma das características do filme que menos me chamou a atenção foi justamente o romance (como sempre, eu, vendo tudo com olhar extremamente racional...).

Antes de opinar mais gostaria de deixar bem claro: ASSISTAM AO FILME, é simplesmente perfeito, vale muito a pena! (City of Angels. 1998. Romance. EUA. Direção de Brad Silberling. Com Nicolas Cage, Meg Ryan, Andre Braugher, Dennis Franz)

Continuando...No início você não dá muita atenção ao filme, ao tema central e chega a imaginar: "ah, vai ser só mais um daqueles filmes românticos clichês..." e, então, se você continuar verá o quanto estava enganado. O filme vai além de qualquer mera perspectiva, ele analisa os sentimentos humanos e a falta dos mesmos, analisa o sentir, os gestos, a ânsia do homem de ter o que o outro tem, de quer experimentar o que o outro experimenta, de querer provar de tudo na vida, analisa a invisibilidade social, os dilemas a que o ser humano é exposto no decorrer de toda a vida, bem como o peso e as dificuldades das escolhas, o comportamento humano diante do livre-arbítrio, a função do homem na sociedade, a fé, a vida, a morte, o sobrenatural e as dúvidas constantes.

Um anjo (Nicolas Cage) que não pode sentir a dor, o calor, o vento em seu rosto, o toque na pele ou o sabor dos alimentos, mas, que se sente atraído pela médica cirurgiã (Meg Ryan) e seu sofrimento ao perder um paciente - que o anjo teve a obrigação de levar "dessa para melhor" -  na mesa de cirurgia. Um ser, de certa forma sobrenatural, imperceptível e invisível aos olhos de quem não está a beira da morte, mas que com sua função gera o sofrimento e a dor nos outros. Bom, o resto da estória, o clímax e o desfecho não vou contar, visto que muitos podem ter anotado para assistir e se eu contar perde a graça. Porém, posso dizer que o filme é perfeito nas ilustrações dos dilemas humanos.

A médica deixa de ser totalmente racional e científica e passa a acreditar em algo superior, passa a acreditar que a vida não está só nas mãos dela, que algo de outro nível interfere na "nossa dimensão", passa a se perguntar o poder que ela possui para salvar vidas, a função que ele deve exercer na sociedade e até aonde ela pode ou é capaz de ir na sua profissão. Surge aí o confronto entre a fé e a razão, o real e a crença, a vida e a morte e quem detem o poder de tudo isso. Até que ponto devemos procurar por algo ou alguém para culpar de uma ação desastrosa? O tema de redação dessa semana foi sobre crendices populares e superstições e eu terminei o meu artigo de opinião analisando justamente essa pergunta, que é muito pertinente, mas não vem ao caso, é apenas mais uma pergunta retórica.

O anjo percebe-se amando uma mulher mortal, de "outra dimensão", que pode chorar, rir, sentir o vento ao andar de bicicleta, sentir a areia, as ondas e o gosto salgado do mar, tudo o que ele não é capaz. Permanece invisível diante do mundo, a exemplo de grande parte da população que por quesitos financeiros, estereótipos, culturais, sociais e etc também são invisíveis, inúmeras pessoas cruzam seus caminhos, entretanto, não fazem o mínimo esforço para olhá-las e lhes direcionar ao menos um "bom dia". Quanto custa ser sociável, simpático, educado, demonstrar um pouco de bondade e bom humor? De acordo com o que vejo, custa muito, muito caro. Assim, a condição de invisibilidade do anjo mostra, contraditoriamente, o quanto ele se sente mal, inferior, mesmo que seja imortal e, talvez, esteja em um "nível superior" aos "reles mortais". Ele começa a se perguntar: por que não aparecer? Por que não aparecer para ela? E, desse modo, aproxima-se ainda mais do mundo terreno.

No filme, é claramente perceptível a questão e as dúvidas em torno do livre-arbítrio a que somos submetidos no dia-a-dia. Todo homem tem esse direito, acontece que nunca tivemos aulas para aprender a lidar com ele, cotidianamente não recebemos bons exemplos, não somos bem instruídos e, portanto, não sabemos nos relacionar com ele, o que nos torna passíveis de manipulação e totalmente frágeis. O livre-arbítrio nos leva a fazer escolhas próprias que gerarão consequências imediatas ou futuras. E é assim que vivemos toda a nossa vida, escolhendo, sendo escolhidos e sofrendo as consequências. O anjo tem que fazer escolhas que poderão mudar totalmente sua história e a "história do céu", sendo que só ele tem esse poder de decisão. A médica faz decisões dede quando nasceu (qualquer semelhança conosco é mera coincidência, rs) e continua a fazer na profissão e na vida pessoal, são decisões que como as do anjo podem mudar totalmente a sua vida. Dessa forma, dilemas a respeito desse tal livre-arbítrio são constantemente debatidos no decorrer do filme, com exemplos de outros personagens que também tiveram que decidir o rumo da vida, o que os levarão a uma redefinição do seu papel no mundo. (Como já disse, não vou explicitar quais seriam essas decisões e quais as mudanças, visto que quando assistirem ao filme irão compreender perfeitamente o que estou escrevendo).

Enfim, não posso e não devo prolongar-me nessas discussões, uma vez que além de polêmicas requereriam tempo e vocês ainda vão assistir ao filme, caso ainda não o tenham feito. Resumindo, o filme trata de assuntos polêmicos, que nós enfrentamos no dia-a-dia, mas, que muitas vezes nem mesmo reparamos ou paramos para pensar e refletir. A fé é colocada em evidência diante da morte, impossível de ser revertida pela razão e a ciência, ambas formadas em séculos de estudos. Além disso, achei perfeita o modo como esse conflito foi explorado, num ambiente hospitalar e na mente de uma médica cirurgiã. O homem assume inúmeras funções no meio social e tudo depende do livre-arbítrio, essas funções, portanto, podem ser modificadas constantemente. As dúvidas são inerentes ao ser humano, não tem como fugirmos delas, e, também, são perfeita e peculiarmente apresentadas no filme. O modo como devemos lidar com as emoções, os sentimentos, as sensações, a vida, a morte e a "possível ressurreição" (como estar a beira da morte e salvar-se, ou, recomeçar a vida, com modificação da sua função, dos hábitos, etc) são frisadas brilhantemente. O modo como o homem sempre acha que o que é do outro é melhor, que deve sentir todas as emoções e passar pelo maior número de experiências que nos cercam. A impotência de alguns perante as atitudes do próximo, que não possuem maiores problemas para realizarem o que bem entenderem, também é bem retratada.

Dizem que o homem é o produto de suas escolhas, o que eu concordo pefeitamente, e, o filme nos ilustra. O filme é tão bom que o invisível torna-se visível, o imortal torna-se mortal, o mortal torna-se imortal, o sobrenatural se sobrepõe ao real, as dúvidas geram mais dúvidas, os sentimentos afloram num ser que não pode sentir e, no fim, o medo de viver, de fracassar, de sentir, de mudanças, do novo, não interferem nas escolhas dos personagens, porque, para eles, o que importa é viver, apenas viver e sentir todos o maior número de momentos possíveis, até mesmo porque, como seria viver sem sentir ou sentir sem viver todas as emoções? (Nesses momentos imaginei o coração de um cego, um surdo, um mudo, um aleijado, um paraplégico, um tetraplégico, e por aí vai...ao assistirem ao filme...sem mais comentários!).

2 comentários:

  1. Oi, Letícia.

    Já havia assistido ao filme, e ele realmente passa toda essa carga. Aliás, pode-se dizer até mais, pois os assuntos que ele engloba vão além disso tudo.

    Como falar sem entregar o fim do filme? rsrs. Bom, o filme desmistifica, também, todo aquele lado religioso que nos é imposto, de que anjos são seres celestiais perfeitos. No filme, como vc tão bem citou, ele quer sentir o que ela sente. Ou seja, ele tem um desejo, e esse desejo se torna ardente a tal ponto, que...

    Outro fator diz respeito ao livre arbítrio, mas num aspecto mais amplo ao citado por você. Pode-se incorporá-lo ao assunto "destino". Já está tudo escrito, ou somos donos de nossas ações? Se mudamos de opinião, isso já não estava escrito que aconteceria? Então, livre arbítrio não existe, pois ao fim de tudo, já estava tudo escrito mesmo. Mas, neste caso, sequer o anjo arbitrou sobre seus próprios desejos?

    Complexo continuar falando sem contar o fim do filme... rsrs. E o bom, é que tudo foi explorado de uma forma suave, sem aqueles anjos que "se vendem" ao inferno, ou que querem destruir o mundo.

    Muito bom, mocinha.

    Bela análise e ótima crítica. Caso queira continuar na lista do Nick Cage, recomendo "PRESSÁGIO", um filme denso e de final não muito ortodoxo. Ou, então, "SINAIS", com o Mel Gibson, que também faz pensar bastante.

    Bjs, Letícia. Ótima crônica, como de costume.

    Marcio

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  2. Olá Márcio!
    Com certeza, o filme vai muito além dos meus comentários, quem me dera ser dona do tempo ou escrever tudo o que eu penso em poucas linhas....enquanto isso não acontece, ficamos assim mesmo! rsrs
    Eita, essas perguntas, vou encará-las como perguntas retóricas, pode ser? Destino, livre arbítrio....um dia a gente descobre a verdade!
    Ah, eu já comecei a assistir Sinais, mas, não lembro por que, não terminei. Pode deixar que vou anotar aqui e quando sobrar um tempinho assistir, obrigada!
    Obrigada pelo carinho de sempre...
    Beijos, *-*

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